Homens também choram: a dor invisível dos que foram ensinados a calar
Por Carlos Santos
A dor masculina precisa ser vista e ouvida
Em meio ao legítimo avanço das discussões sobre a violência contra a mulher, um silêncio pesado ainda paira sobre uma outra face dessa realidade: a dor e o sofrimento dos homens que também são vítimas de agressões físicas, emocionais e sociais — mas que raramente encontram espaço para falar, serem ouvidos e acolhidos.
Será que, em nome de proteger uma parte da população historicamente vulnerável, não estamos esquecendo que os homens também são seres humanos com sentimentos profundos, traumas e necessidades?
🔍 Zoom na realidade
A sociedade construiu um modelo rígido do que é ser homem: forte, viril, imperturbável. Esse modelo, porém, é uma armadilha que aprisiona emoções e sufoca o sofrimento. Muitos homens carregam traumas silenciosos, frutos de relacionamentos abusivos onde são vítimas de violência física e emocional — situações que, por vergonha ou medo, raramente são denunciadas.
Além disso, em muitos casos, o homem sofre agressões sociais e psicológicas dentro da própria família, enfrentando o desprezo e até a alienação parental, quando impedidos de conviver com seus filhos injustamente. Essa realidade é ainda mais invisível e pouco discutida, criando um ciclo perigoso de dor e isolamento.
📊 Panorama em números
Apesar do silêncio que ronda a dor masculina, os números revelam uma realidade preocupante:
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Suicídio masculino: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 80% das pessoas que tiram a própria vida no Brasil são homens. Isso não é coincidência — é consequência direta de um sistema que não oferece espaço para o homem expressar suas fragilidades.
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Violência doméstica reversa: o Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que até 30% das denúncias de violência doméstica registradas envolvem homens como vítimas. Esses casos, porém, enfrentam resistência nos órgãos de proteção, muitas vezes sendo deslegitimados antes mesmo de serem ouvidos.
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Alienação parental: dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que cresce o número de ações judiciais envolvendo pais afastados injustamente da vida dos filhos. Em grande parte dos casos, o pai sofre não apenas com a ausência dos filhos, mas com campanhas de desmoralização promovidas por ex-companheiras.
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Saúde emocional negligenciada: estudos da Fiocruz indicam que homens buscam menos ajuda psicológica, mesmo apresentando sintomas severos de ansiedade, depressão ou traumas relacionais. Isso ocorre por medo de serem taxados como fracos ou imaturos.
Esses dados não querem rivalizar com as estatísticas das mulheres — mas querem existir ao lado delas, pois nenhuma dor deve ser ignorada. Dor é dor, independente do gênero.
🌍 O que a BBC revela sobre a invisibilidade da violência masculina
"🗞️ Violência masculina: dados e relatos que a mídia tradicional pouco mostra"
Em um artigo publicado pela BBC Brasil, a complexidade da violência contra homens é destacada como uma realidade pouco reconhecida. A reportagem revela que, apesar do grande foco da mídia e da sociedade na violência contra mulheres — legítimo e necessário —, muitos homens também enfrentam agressões físicas, psicológicas e até mesmo sexuais, que são frequentemente invisibilizadas.
O texto da BBC ressalta que essa invisibilidade se deve, em parte, a padrões culturais que desestimulam homens a denunciarem abusos por medo de serem ridicularizados ou desacreditados. Além disso, aponta para a falta de políticas públicas específicas para apoiar homens vítimas, o que deixa um grande vácuo na proteção e na prevenção desses casos.
Esse cenário não apenas agrava o sofrimento dos homens, mas dificulta o combate efetivo à violência, pois oculta uma parte significativa da realidade e impede que essas vítimas tenham acesso à justiça e ao acolhimento necessários.
Assim, o artigo reforça a urgência de ampliarmos o olhar para que as dores masculinas também sejam vistas, ouvidas e tratadas com a mesma seriedade, contribuindo para uma sociedade mais justa e equilibrada para todos os gêneros.
💬 O que dizem por aí
Felizmente, algumas vozes começam a ecoar no sentido de humanizar o homem — não aquele arquétipo insensível e controlador, mas o ser humano que sente, sofre, ama, perde, se frustra e também precisa de cuidado.
O psicólogo e educador Yuri Grecco, especializado em saúde emocional masculina, afirma com clareza:
"O homem está adoecido emocionalmente, mas não tem licença social para falar sobre isso. Quando tenta, é desacreditado ou rotulado. Isso o afasta do cuidado e o empurra para o abismo."
Já a escritora e terapeuta Viviane Mosé, em uma de suas reflexões sobre masculinidade, propõe:
"Precisamos urgentemente repensar o que é ser homem. Ser homem não pode significar silenciar sentimentos e suportar o insuportável em nome da virilidade."
E o ativista social Tiago Koch, criador de projetos voltados à saúde emocional masculina, reforça:
"Falar da dor dos homens não é competir com a luta das mulheres. É ampliar o conceito de justiça e empatia. É reconhecer que todos, absolutamente todos, precisam de acolhimento."
Essas falas nos lembram que o silêncio imposto aos homens é também uma forma de violência estrutural, e que reconhecer isso não enfraquece nenhuma luta — ao contrário, fortalece a busca por equilíbrio entre os gêneros.
🧭 Caminhos possíveis
Mudar esse cenário exige coragem coletiva, políticas públicas, escuta ativa e, acima de tudo, uma nova cultura de afeto e responsabilidade emocional. Abaixo, algumas direções práticas que podem abrir espaço para essa transformação:
1. Educar meninos para a empatia
Desde cedo, os meninos são ensinados a não chorar, a não demonstrar fragilidade, a competir, a calar. É urgente romper esse ciclo. Precisamos educar meninos com liberdade emocional, permitindo que expressem sentimentos sem medo de serem rotulados.
2. Criar espaços seguros de escuta
Grupos de apoio, rodas de conversa, projetos em escolas e empresas precisam acolher também os homens. Um espaço onde eles possam falar, refletir e escutar outros homens é essencial para o processo de cura coletiva.
3. Investir em políticas públicas para saúde mental masculina
Poucas campanhas do SUS, por exemplo, são voltadas à saúde emocional dos homens. É preciso visibilidade, orçamento e políticas específicas, que levem em conta as particularidades do sofrimento masculino e incentivem o cuidado psicológico.
4. Enfrentar a violência doméstica em todas as direções
A violência não tem gênero exclusivo. Reconhecer que homens também são vítimas em relacionamentos abusivos é uma forma de proteger vidas e evitar que esse tipo de dor se transforme em tragédias futuras — inclusive para filhos e filhas que crescem em ambientes disfuncionais.
5. Desromantizar a masculinidade tóxica
A masculinidade tradicional, baseada em força, dominação e insensibilidade, não representa a totalidade do que é ser homem. É hora de reinventar a masculinidade: com afeto, escuta, cuidado, presença e equilíbrio.
🧠 Para pensar…
Quantos homens você conhece que estão sofrendo em silêncio?
Quantos pais foram afastados injustamente dos filhos e vivem a dor da ausência sem direito ao luto?
Quantos amigos seus já desabaram à noite, sozinhos, mas de manhã colocaram a armadura da força para não desagradar o mundo?
Por trás do “tá tudo bem” que muitos homens repetem mecanicamente, existe um grito abafado pedindo socorro.
Mas como pedir ajuda se tudo o que foi ensinado é que homem não sofre, não sente, não pode vacilar?
A pergunta que fica é:
Quantas vidas ainda vamos perder até que a dor masculina seja vista com a mesma seriedade que todas as outras?
E mais importante:
O que cada um de nós pode fazer para mudar isso?
Porque empatia não tem gênero.
E respeito, como você mesmo disse, não se impõe. Se conquista.
⛓️ Âncora do conhecimento
A forma como ensinamos meninos a lidar (ou não lidar) com suas emoções começa cedo — na infância. E muitas das dores que os homens enfrentam na vida adulta têm raízes nesses primeiros afetos, quase sempre desvalorizados.
Quer entender como tudo começa e por que precisamos falar de emoções desde a infância?
👉 Clique aqui para ler o post: Entenda por que crianças se apaixonam e o que isso revela sobre a construção emocional.
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📦 Box informativo
📚 Você sabia?
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🤐 Cerca de 70% dos homens brasileiros afirmam que não falam sobre suas emoções nem com amigos próximos. (Fonte: Instituto Locomotiva)
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💔 O Brasil registra um dos maiores índices de suicídio entre homens jovens da América Latina.
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👶 A alienação parental atinge milhares de pais por ano no país, e muitos sequer conseguem apoio jurídico ou psicológico.
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🚫 A maioria dos serviços de acolhimento e proteção emocional no Brasil ainda é voltada quase exclusivamente às mulheres — o que deixa os homens sem espaços específicos de escuta.
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📣 Falar sobre a dor masculina não é uma ameaça à luta das mulheres, mas sim um complemento necessário para construirmos uma sociedade mais justa, empática e equilibrada.
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