Supermercados querem disciplina militar nas gôndolas: a aposta nos jovens do Exército
Por Carlos Santos
Em meio a prateleiras cheias e vagas vazias, o setor supermercadista brasileiro enfrenta um dilema pouco visível aos consumidores: a dificuldade de contratar e reter trabalhadores para funções operacionais. E diante de um desinteresse crescente dos jovens por essas ocupações, grandes redes estão buscando inspiração... nos quartéis. Sim, supermercados estão firmando parcerias com o Exército para atrair jovens egressos do serviço militar obrigatório.
Mas o que está por trás dessa aliança entre fardas e fardos de arroz?
O desafio: 357 mil vagas abertas e pouca disposição para ocupá-las
Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o setor conta atualmente com cerca de 357 mil vagas em aberto. Essas oportunidades vão desde operadores de caixa até repositores, passando por atendentes e estoquistas. Apesar de o setor historicamente funcionar como uma porta de entrada para o mercado de trabalho, o cenário mudou: muitos jovens não querem mais essas posições.
O motivo? Salários baixos, rotinas exaustivas e pouca flexibilidade afastam exatamente o público que antes preenchia essas funções. Soma-se a isso uma mudança geracional em curso: a juventude atual valoriza cada vez mais o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, ambientes respeitosos e oportunidades de crescimento real.
A solução militar: disciplina, pontualidade e hierarquia
Para tentar reverter essa tendência, supermercados como Pão de Açúcar, Carrefour e outras grandes redes passaram a procurar mão de obra entre os jovens recém-saídos do Exército, Marinha ou Aeronáutica. A justificativa é simples: esses jovens já passaram por um ano de disciplina rígida, respeito à hierarquia e cumprimento de horários. Ou seja, características valorizadas no chão de loja.
O programa “Soldado Cidadão”, coordenado pelo Ministério da Defesa em parceria com a Abras, é um dos pilares dessa nova estratégia. Ele oferece cursos profissionalizantes a militares em fim de serviço, preparando-os para atuar no comércio varejista.
Nem heróis nem vilões: jovens querem mais do que farda e fardo
No entanto, é importante destacar que essa solução não resolve todos os problemas. Os jovens egressos do serviço militar também desejam oportunidades reais de crescimento e melhores condições de trabalho. A expectativa de que apenas a disciplina militar vá preencher as prateleiras da esperança pode ser uma ilusão.
Sem mudanças estruturais — como salários mais atrativos, escalas menos exaustivas e ambientes mais saudáveis — o setor corre o risco de continuar girando em falso. É preciso lembrar que a juventude brasileira, apesar das dificuldades, tem acesso à informação, sonha com outros caminhos e não aceita facilmente voltar para estruturas que lembrem a rigidez de um quartel.
Opinião do autor: não basta farda, é preciso futuro
A tentativa dos supermercados de recrutar jovens do Exército revela, antes de tudo, uma crise no modelo tradicional de trabalho. Ao buscar disciplina externa para compensar o desinteresse interno, as empresas deixam de olhar para dentro: por que será que tantos jovens não querem mais trabalhar com a gente?
Iniciativas como o “Soldado Cidadão” são bem-vindas, mas não podem ser a muleta de um setor que precisa se reinventar. Se os supermercados querem atrair e manter talentos, precisam oferecer mais do que um salário mínimo e prometer "oportunidades de crescimento" que nunca chegam.
Investir em clima organizacional, escuta ativa e planos de carreira verdadeiros pode ser muito mais eficaz — e duradouro — do que confiar na hierarquia militar para manter o caixa funcionando.
📦 Box informativo
📚 Você sabia?
O programa Soldado Cidadão, criado em 2004, já capacitou mais de 100 mil jovens em áreas como atendimento, logística e manutenção. A proposta é facilitar a reintegração desses jovens ao mercado civil após o serviço militar obrigatório, oferecendo cursos gratuitos de curta duração em parceria com o Sistema S (Senai, Senac, etc.).
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