O que os três poderes do Brasil têm em comum com as cidades sumérias? Uma reflexão sobre a ancestralidade da política.

As Cidades que nos Governam até Hoje: O Eco Político de Ur, Uruk e Lagash

Por Carlos Santos



Muito antes das repúblicas modernas, das democracias constitucionais e dos três poderes consagrados por Montesquieu, três cidades da antiga Mesopotâmia já delineavam, em traços arcaicos mas reconhecíveis, o que hoje chamamos de estrutura política. Ur, Uruk e Lagash, cidades-estado sumérias, não só abriram caminho para a escrita, a administração fiscal e a arquitetura urbana, como também estabeleceram protosistemas de poder que ecoam de forma impressionante nos modelos de governo atuais — inclusive no brasileiro.

As Três Forças de Poder na Suméria

Em Ur, Uruk e Lagash, o poder era distribuído entre três esferas principais:

  • O Ensi (ou Lugal): o governante da cidade, que executava a gestão, comandava as guerras e cuidava da infraestrutura. Uma função que ecoa claramente o Executivo moderno.

  • Conselhos de anciãos e assembleias populares: formavam uma instância deliberativa, debatendo decisões e equilibrando o poder do ensi. Aqui encontramos a origem de um Legislativo primitivo.

  • Juízes e sacerdotes: aplicavam regras, resolviam disputas e interpretavam normas com base em códigos como o de Ur-Nammu. Um antecessor direto do que hoje é o Judiciário.

À primeira vista, pode parecer anacrônico comparar essas funções com as instituições brasileiras, mas é justamente essa ponte que revela a força da permanência histórica.

Do Tigre ao Planalto Central: Heranças Invisíveis

Quando olhamos para o Brasil de hoje — com seu presidente no Executivo, o Congresso Nacional no Legislativo e o Supremo Tribunal Federal como guardião do Judiciário —, vemos uma engrenagem sofisticada. Mas no cerne, as funções essenciais dessas instituições já estavam presentes em cidades que floresceram mais de quatro mil anos atrás.

Na prática, Ur e companhia já lidavam com:

  • Redistribuição de recursos via impostos

  • Coordenação de grandes obras públicas

  • Julgamentos civis e criminais

  • Debates e conselhos sobre guerras, alianças e leis

Não se trata de copiar o modelo, mas de reconhecer uma lógica ancestral de organização do poder que atravessa os milênios e segue operante, mesmo com outras roupagens.

República: O Modelo Brasileiro e Suas Raízes


A estrutura política brasileira é oficialmente republicana desde 1889, com a Proclamação da República, após o fim do regime imperial comandado por Dom Pedro II. Inspirado por modelos liberais europeus e fortemente influenciado pela Constituição dos Estados Unidos, o Brasil adotou os três poderes formais: Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas, antes disso, vozes como José Bonifácio, Rui Barbosa e, posteriormente, Getúlio Vargas, ajudaram a moldar a ideia de nação organizada por instituições que dialogam entre si — mesmo que esse diálogo nem sempre fosse harmonioso.

Durante a Primeira República (1889-1930), os poderes ainda eram fortemente centralizados nas oligarquias regionais. O Legislativo era muitas vezes uma extensão do Executivo. Já o Judiciário ainda buscava autonomia. Foi com o Estado Novo e, mais tarde, com a redemocratização após 1946 e a Constituição de 1988, que as divisões institucionais se consolidaram de forma mais clara.

A própria Constituição de 88 é chamada de "Constituição Cidadã", pois firmou os alicerces democráticos da Nova República, estabelecendo com mais firmeza a independência entre os poderes e os direitos civis e sociais da população. Mesmo assim, crises institucionais como os impeachments, os conflitos entre STF e Congresso e as ameaças golpistas mostram que o equilíbrio ainda é frágil.

O Professor que me Refutou e o Silêncio Acadêmico

Em um dos momentos mais duros da minha passagem pela universidade, ousei levantar essa hipótese em sala: que os três poderes brasileiros têm funções similares às estruturas das cidades sumérias. Fui imediatamente refutado por um professor que se negou a dialogar com a ideia. Não houve análise, apenas negação.



Esse tipo de silenciamento não é só acadêmico, é epistêmico: uma tentativa de apagar leituras que não saem da boca de teóricos europeus ou da ortodoxia do pensamento ocidental. A minha tentativa de enxergar na Suméria as mães simbólicas da democracia moderna foi tratada como erro, quando na verdade era ancestralidade política encarnada em leitura crítica.

O que a História nos Cobra

Ur, Uruk e Lagash não são apenas ruínas no deserto do Iraque. Elas são matrizes culturais, políticas e filosóficas que continuam, de forma invisível, regendo as engrenagens da vida institucional moderna. Ao traçar paralelos entre essas cidades e o Brasil contemporâneo, fica claro que há uma linha tênue — mas poderosa — que liga as práticas de liderança, mediação de conflitos e elaboração de normas ao longo da história humana.

Negar essas conexões é recusar a história. E recusar a história é se tornar cúmplice de um presente sem raiz, sem espelho e sem rumo.


📦 Box informativo 

📚 Você sabia?

  • O Código de Ur-Nammu, datado de cerca de 2100 a.C., é o mais antigo código de leis conhecido, anterior ao famoso Código de Hamurabi.

  • A cidade de Uruk chegou a ter 80 mil habitantes, o que a torna a primeira "metrópole" da história.

  • A palavra "Uruk" deu origem ao nome "Iraque".

  • Os sumérios criaram a escrita cuneiforme, usada para registrar leis, contratos e eventos administrativos.

  • Muitas das funções de Estado hoje reconhecíveis foram exercidas em formas primitivas já no terceiro milênio a.C.

  • A Constituição Brasileira de 1988 consagrou a divisão dos três poderes e consolidou o modelo republicano moderno.

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